Arqshoah logo

Conversa com o Sr. Wohltat [Anexo 1]

Registro RG-ARQ/372
Classificação Confidencial
Tipologia Memorando
Data 1939-03-03
Cidade Berlim
País Alemanha
Páginas 6
Idioma Inglês

Instituição de origem

De: Robert Pell
Cargo: Vice-Diretor da Comissão de Londres
Instituição: Consulado Geral do Brasil em Genebra

Instituição de destino

Para: Herbert Emerson
Cargo: Diretor da Comissão de Londres
Instituição:

Relato da conversa com o Sr. Wohlthat:

1. Mantém o apontamento feito para ele [Sr. Pell] com Sr. Wohlthat na embaixada americana. A conversa durou em torno de três horas.

2. Entregou ao Sr. Wohlthat a carta do Sr. Rublee. Essa carta indica as intenções do Comitê Intergovernamental em considerar o estabelecimento de um programa de 5 anos de duração. [p.1]

O conteúdo da carta:

Sr. Rublee informa o resultado da reunião com o Comitê Intergovernamental em Londres nos dias 13 e 14 de Fevereiro de 1939.

Afirma ter relatado completamente a conversa que teve com o Dr. Sehacht e com o Sr. Wohlthat para o Comitê, composto pelos plenipotenciários dos Estados Unidos da América, Argentina, Austrália, Bélgica, Bolívia, Reino Unido, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Cuba, Dinamarca, República Dominicana, Equador, Eire, França, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Noruega, Países Baixos, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru, Suécia, Uruguai e Venezuela.

O Comitê considera cuidadosamente o relatório do Sr. Rublee, especialmente o memorando ao qual Sr. Wohlthat concorda com o programa que a Alemanha agindo unilateralmente adotaria.

O Comitê instrui o Sr. Rublee a informar ao Sr. Wohlthat que o Comitê, agindo independentemente está usando e irá usar seus melhores esforços para desenvolver oportunidades dentro dos próximos 5 anos para o estabelecimento permanente de emigrantes involuntários da Alemanha dentro dos limites das leis e práticas dos membros do Governo.

O comitê tomou conhecimento do projeto de formação de uma corporação internacional particular a qual servirá como agência financiadora das emigrações alemãs e para a manutenção dos contatos com as autoridades alemãs as quais são necessárias para esse propósito.

Sr. Rublee informa seu afastamento do cargo de Diretor do Comitê de Londres, por motivos pessoais, informando que seu substituto será Sr. Herbert Emerson e Sr. Robert Pell será o Vice-Diretor.

3. Após ler a carta acima citada, Sr. Wohlthat diz que essas resoluções forneceram uma base suficiente para a continuação das conversas com o Comitê Intergovernamental. Afirmou ainda que ele foi autorizado a conduzir essas conversas sozinho e que por isso quaisquer reuniões deveriam ser feitas em Berlim. Mr. Wohlthat se desculpa pela inconveniência, mas diz que é mais inteligente cuidar das coisas dessa forma já que ele teria que se reportar diretamente ao Marechal Goering sem qualquer intermediação. [p.2]

4. Sr. Wohlthat nota a referência ao período de 5 anos em que o programa deveria ser realizado e lamenta que não há menção de 3 anos sendo que a dita referência teria sido útil. Sr. Pell afirma que respondeu que eles deveriam ser honestos ao lidar com essa questão e que francamente parece não haver muita possibilidade de estabelecer o número de pessoas envolvidas em um período abaixo de 5 anos.

5. Wohlthat chega à conclusão de que as duas atividades deveriam proceder pari passu. Por exemplo, onde o Comitê estiver apto a mostrar que está em posição de abrir um lugar para o estabelecimento, a Alemanha realizaria algumas das medidas determinadas no "Memorando Confidencial" que o Sr. Rublee reportou ao Comitê.

Sugeriu que para começar deveria ser fornecido a ele um memorando com os detalhes dos projetos que já estão encaminhados para o estabelecimento de emigrantes involuntários na Guiana Inglesa, Rodésia do Norte, Filipinas e República Dominicana e tais detalhes complementares a respeito da infiltração seriam úteis.

Apontamentos posteriores deveriam ser feitos por ele [Pell] com o Sr. Wohlthat na Embaixada Americana onde discutiriam o memorando. Ele [Wohlthat] enviaria aos seus "principais" que decidiriam se se justificava colocar em prática certas medidas que foram esboçadas no Memorando Confidencial.

Wohlthat enfatizou que o tempo era a essência da situação e que acreditava ser muito desejável que Pell trouxesse o memorando de volta em 10 dias. Pell afirma que um memorando dessa natureza seria elaborado rapidamente, que ele consultaria o Sr. Herbert Emerson e Lord Winterton sobre seu retorno a Londres e se comunicaria com ele através da Embaixada Americana assim que eles estivessem prontos para prosseguir.

6. Wohlthat, sobre a corporação internacional privada citada na carta do Sr. Rublee, pergunta em que estado está esse assunto e quão longe os planos para a formação dessa corporação se cristalizaram. Pell responde que desde que o Comitê Intergovernamental é essencialmente uma contínua conferência internacional e não pode assumir a responsabilidade de estabelecer uma corporação da maneira descrita no Memorando Confidencial e que, o que eles poderiam fazer é com que particulares tomassem conhecimento do projeto, e ainda que, de acordo com a reunião do Comitê em 14 de Fevereiro, algumas pessoas de negócio particulares indicaram estar estudando a possibilidade de formação de uma corporação desse tipo.

Grupos em Londres e Nova Iorque estão engajados e em contato, e assim que a criação dessa corporação fosse autorizada, eles estariam prontos para proceder rapidamente. Pell diz que não tem liberdade para dar mais detalhes, pois as informações são informais.

Wohlthat pergunta se o suporte era exclusivamente em círculos judeus. Pell responde que acha que não, que sem dúvida financiadores não-judeus estavam interessados, desde que veio o financiamento do estabelecimento dos projetos o capital necessário teve que ser extraído da comunidade como um todo.

7. Pell pergunta a Wohlthat se havia algum progresso sendo feito para o estabelecimento do fundo de confiança ["trust fund" - p.3] no interior da Alemanha. Este responde que esse estabelecimento esta sendo cuidadosamente estudado e que ele estava seguro de que o decreto necessário que estabelece a confiança poderia ser emitido no momento da observação.

Ele ainda diz que seria muito difícil, senão impossível, criar confiança dentro da Alemanha sem antes a corporação ser criada fora da Alemanha. Pell entende que Wohlthat tem em mente que duas corporações sejam criadas simultaneamente, uma dentro e outra fora da Alemanha.

Wohlthat confirma e enfatiza a dificuldade da Alemanha entrar em ação a não ser que o outro lado esteja preparado pra se mover ao mesmo tempo. Pell sugere que talvez o grande problema então se articule sobre a seleção do terceiro provedor ou provedor estrangeiro.

Wohlthat concorda que esse é um aspecto importante do problema. Pell pede detalhes sobre o status e a remuneração do terceiro provedor, indicando se a Alemanha tem preferências em relação a nacionalidade e personalidade do terceiro provedor. Wohlthat repetiu o que foi dito no Memorando Confidencial, afirmando que o provedor deve ser ariano e uma pessoa distinta, e que seria uma vantagem se ele falasse alemão e fosse de um pequeno país neutro.

Esse provedor seria remunerado pelas partes interessadas no fundo de confiança o qual seria reservado para despesas administrativas. Pell observa que particulares tem considerado a questão do terceiro provedor cuidadosamente e não se comprometeriam até eles saberem exatamente as condições em que este seria nomeado.

Pell diz que pensaram no nome do Professor Bruins de Hague, mas que isso seria muito provisório e que o próprio Professor Bruins não se aproximaria. Wohlthat sabia sobre Bruins e que a primeira vista considerava essa escolha muito aceitável, conversaria a respeito com seus superiores. [p.3]

8. Sobre a renúncia do Sr. Rublee, Wohlthat diz que ele e Goering ficaram extremamente perturbados com sua intenção de renunciar. Eles estavam favoravelmente impressionados com sua objetividade, paciência e modo inteligente de conduzir as conversas, e foi um duro golpe ele não continuar como mediador entre a Alemanha e o Comitê. Sr. Rublee tinha ido a Europa esperando prosseguir imediatamente para Berlim para conversar com as autoridades alemãs, mas ele acabou não indo para Berlim por razões que fogem ao controle do Comitê.

A paciência de Sr. Rublee estava quase se esgotando, e ele estava a ponto de renunciar quando chega a notícia de que o Sr. Schacht cuidaria do assunto em sua visita a Londres. Sr. Rublee aceitou o cargo de Diretor como grande sacrifício pessoal, que ele não poderia pagar por muito mais tempo a negligência de sua prática da lei. Sr. Rublee examinou o problema de todos os ângulos e decidiu-se o mais relutantemente retirar-se. A decisão era final e Sr. Rublee retornou aos Estados Unidos.

9. Sr. Wohlthat pergunta por que o Sr. Herbert Emerson, Alto Comissário da Liga, e que consequentemente desagrada às autoridades alemãs, foi escolhido como sucessor de Sr. Rublee. Sr. Pell responde que Sr. Emerson é um distinto cidadão britânico que é altamente respeitado não só em Londres, mas em outras capitais e teve uma notável carreira na Índia, onde se aposentou como Governador de Punjab.

O Comitê e a Comissão permanecem separados e distintos, sendo isto feito para grande eficiência e para que qualquer sobreposição que existisse fosse eliminada, e seria colocada em um líder a responsabilidade de organizar o total estabelecimento do programa.

Pell afirma que isso seria obviamente de interesse Alemão e que assim que ele e seus principais tivessem considerado completamente o assunto chegaria à mesma conclusão. A nomeação de Sr. Emerson foi colocada pelo Governo Americano, esse governo não era membro da Liga, que a questão da Liga das Nações era um tema político vivo nos Estados Unidos, e isso era um tributo à eficiência e distinção de Sr. Emerson que o Governo Americano tinha querido mesmo considerá-lo para o posto. Então Sr. Wohlthat disse que acreditava que não haveria nenhuma objeção grave a esse arranjo da parte Alemã com tanto que Sr. Herbert Emerson não fosse requerido a começar diálogo direto com o lado Alemão.

As autoridades alemãs não lidariam com um membro da Liga das Nações por mais distinto que ele seja, e isso se constituiria em uma grande concessão da parte deles se eles estivessem dispostos a continuar as conversas de qualquer forma visando à reorganização que ocorreu no Comitê. Sr. Wohlthat achou mais inteligente explicar, se fosse necessário, que Sr. Emerson era o superior de Sr. Pell assim como Marechal Goering era o dele. Não havia necessidade dos superiores se reunirem. [p.4]

10. Pell levanta a questão dos navios alemães levarem emigrantes sem a documentação adequada e a tentativa de desembarcá-los em várias partes do mundo. Aponta que esse tipo de atividade se continuasse impediria gravemente os esforços do Comitê Intergovernamental em abrir locais para o estabelecimento de emigrantes involuntários da Alemanha, citando o caso da Guiana Inglesa.

Pell diz que a Comissão Anglo-Americana tinha mal chegado a começar seus inquéritos quando um navio alemão com muitas centenas de judeus a bordo tinha aparecido. Os passageiros não puderam desembarcar, pois não possuíam vistos. As autoridades locais se viram em um contratempo desagradável e a opinião pública naturalmente havia despertado.

Pell afirma que esse caso se repetia em vários portos da América do Sul e Central e que os esforços do Comitê para trazer certo humor receptivo dos Governos participantes nessas áreas receberam sério recuo. Diz que pelo interesse da Alemanha essa atividade não deveria ser permitida continuar. Wohlthat nega que o governo alemão seja responsável por essa prática.

Disse que o acordo para a emigração dessas pessoas dessa maneira foi feito entre as organizações judaicas na Alemanha e as companhias de navegação e que o governo alemão está tomando medidas para desencorajar essa atividade, mas sem resultados. Ele não sabe o que precisamente as autoridades poderiam fazer para por um fim a essa prática, mas sem dúvida havia medidas que eles poderiam tomar, ele faria inquéritos para tomá-las imediatamente. Pell acrescenta que parece haver uma justificativa para a observação de Sr. Wohlthat de que a responsabilidade reside primariamente com as organizações judaicas.

Ele [Pell] teve reuniões secretas com os líderes judeus e eles admitiram plenamente que estavam mandando pessoas dessa forma e disseram que continuariam a mandar. Disseram que desse jeito eles mostrariam da maneira mais pública possível que o mundo exterior estava fazendo virtualmente nada para abrir locais para a imigração, e que lugares que antes estavam disponíveis agora estão fechados.

Eles falaram da grande pressão que a polícia secreta colocou neles para emigrar certo número de pessoas a cada semana. Observam que a pressão era ainda maior em Viena e declararam que a polícia não aceitaria "Não" como resposta. Eles não tinham alternativa a não ser continuar a prática.

11. Pell fala a Wohlthat sobre a necessidade absoluta de dar ao Comitê um tempo para organizar o estabelecimento dos projetos. Era difícil reconciliar essa óbvia necessidade com as atividades recentes da polícia de Berlim em instruir os líderes da comunidade judaica a preparar as pessoas para emigração na faixa de cem por dia.

Pell afirma ter descrito a situação dos países de refúgio e os esforços que estavam sendo feitos para lidar com a situação pela criação de campos, etc. e enfatizou que o financiamento dessas pessoas em países de refúgio estava comendo no capital das fontes privadas, que deveria ser aplicado a certos projetos.

Se a taxa de imigração da Alemanha fosse ser aumentada substancialmente agora, o problema se tornaria incontrolável. Pell conclui que isso seria essencial para o sucesso de qualquer programa, que essa emigração em ordem deveria substituir o êxodo caótico tão logo fosse possível. Wohlthat diz que seu objetivo é encontrar uma forma de pôr ordem nessa emigração e que veria o que poderia ser feito para melhorar as condições existentes, embora não pudesse se comprometer com esse assunto. [p.5]

12. A conversa se volta para a imprensa. Wohlthat diz que os artigos que apareceram no Manchester Guardian sobre o retorno de Sr. Rublee de Berlim são muito prejudiciais e se havia alguma forma de convencer o jornal do erro de sua posição. Pell afirma que como americano não tinha como lidar com a imprensa britânica.

Wohlthat fala sobre a Associated Press of America que tem publicado um número de reportagens nas ultimas semanas que são claramente falsas. Pell afirma ter conversado com pessoas da Associação de Imprensa e que a situação melhoraria. Wohlthat diz que ao ler os artigos teve a impressão de que seus autores tinham completo conhecimento do conteúdo do "Memorando Confidencial".

Pell diz que o Memorando foi distribuído aos representantes dos mais de trinta governos, e que ficaria surpreso se jornalistas não tivessem acesso a ele, mas que o importante era que até onde ele sabia o texto em si não foi publicado em lugar algum.

13. Questão dos intermediários é levantada. Wohlthat diz que foi infeliz a contratação de intermediários, notadamente o intermediário Comandante Godman, afirmando que esse comandante estava sendo usado em vários casos de operações delicadas pelo Tesouro Britânico e pensava que era um erro trazer Godman para esse campo de atividades e que teria resultados infelizes. Pell fala da sua [Godman] recente ameaça: "explodir as conversas alemãs".

Wohlthat disse que as autoridades alemãs sabiam que a esposa de Godman era prima do Marechal Goering, mas que deveria ser uma prima distante e não aceita pelo Marechal, portanto esse Godman não teria acesso às altas autoridades. Conclui que seria melhor não ter futuras relações com Godman e Pell assegura que está de pleno acordo com ele nesse ponto. [p.6]

14. Foi acertado que haveria uma futura reunião na próxima quinzena onde Pell entregaria a Wohlthat um memorando com detalhes das atividades do Comitê. no lado do estabelecimento.

- Tradução.
- Anexo ao ofício n° 32, de 14 de Abril de 1939.