Familia Faldini
Registro | RG-ICO/59 |
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Suporte | Papel |
Técnica | Gelatina/prata |
Tipologia | Fotografia |
Author name | Fotógrafo não identificado |
Data | 1939-02-01 |
Cidade | Pisa |
Estado | Toscana |
País | Itália |
Natureza do objeto | Réplica |
Família Faldini, em Pisa. Entre os presentes, Carlo Faldini.
Entrevista de Carlo Faldini, que veio para o Brasil com a idade de 10 anos.
Partimos de Genova em 2 de março de 1939, com o Augustus, deixando uma Itália que não nos queria mais. Morávamos em Pisa. Eu, como todos os meninos italianos da minha idade, tinha orgulho de minha farda de Balilla e de desfilar na posição central da primeira fila de três, durante as marchas, levando o “gagliardetto”, o que premiava os melhores alunos da classe. Depois de novembro de 38 não pude mais continuar a frequentar a Scuola Comunale Nicola Pisano, em Via San Frediano, onde a essa época tinha terminado o terceiro ano primário e onde tinha feito meus primeiros amigos. Fui transferido para uma escola da comunidade judaica que funcionava em Via Palestro, num anexo à sinagoga. Ali não conhecia nenhum de meus colegas e não conhecia o hebraico cujo alfabeto eles utilizavam para passar entre si os bilhetinhos, assim sentia-me excluído. Fomos obrigados a despedir as empregadas que ajudavam minha mãe nos afazeres domésticos, por não nos ser mais permitido ter italianos arianos a nosso serviço e, por causa disto, frequentemente tínhamos de almoçar num restaurante perto de casa.
Partimos por determinação de meu pai, pois minha mãe não queria deixar a Itália. A viagem foi agradável e transcorreu em sua maior parte com tempo bom. Eu tinha nove anos e meu irmão, quatro. Conosco vieram também Roberto e Marta Del Monte, primos de meu pai de quem eu muito gostava. Em nossa chegada ao Rio, pequenos aviões sobrevoaram o navio. Eu tinha paixão por aviões e fiquei encantado. Meu tio Uberto irmão de meu pai, que já morava aqui, subiu a bordo no Rio de Janeiro no dia 14 para acompanhar-nos até Santos, onde chegamos em 15 de março, e depois até nosso destino, na casa de meus avôs, em São Paulo.
No trecho entre o Rio e Santos fiquei deslumbrado com a quantidade de pequenas ilhas redondas, que depois reconheci nos quadros da Tarsila. De Santos para São Paulo, no “Caminho do Mar”, ainda em terra batida, fiquei deslumbrado com o voo de uma enorme borboleta azul. Foram duas impressões marcantes deste novo país.
Meu avô, Guido Faldini morava em Lucca, onde tinha uma loja de tecidos e era muito conhecido e bem considerado. Em 1934, devido a suas posições contrárias ao regime, teve problemas felizmente resolvidos sem consequências muito graves, mas deixou a Itália e veio ao Brasil. Aqui chegou com Uberto e Paolo dois de seus sete filhos. Comprou uma indústria de tecidos situada no Pari, para continuar em seu ramo. Paulo já viera casado e depois do primeiro filho, voltou para a Itália, onde passou a guerra e juntou-se aos partigiani. Veio então, para substituí-lo, em 1936, outro de seus irmãos, Nelson, que aqui se casou pouco depois de nossa chegada com Esther Lafer, cujo irmão A.Jacob Lafer, advogado, muito nos auxiliou na obtenção da Carteira 19, o documento de permanência definitiva. Meu pai, que em Pisa tivera uma loja de tecidos, abriu uma outra aqui e foi assim que fincamos raízes em nosso novo lar. Por uma feliz coincidência, viemos a ser vizinhos dos Temin, Massarani, Ventura, Bondì, e Russi com quem estabelecemos laços de uma amizade que dura até hoje. Frequentávamos todos a sinagoga sefaradita da rua Abolição e foi lá que fiz meu Bar Mitzvah, mas minha religiosidade era, como no caso de muitos italianos, aquela de quem vai à sinagoga quase que só nas Grandes Festas. Questionava-me sobre o significado de uma prática da forma exterior da religião, tal como a prática de ler as rezas por ter aprendido a ler em hebraico sem entender uma só palavra do que se estava lendo. Daí preferi abandonar essa conduta sem que isso diminuísse meu sentimento de pertencer ao nosso povo, sentimento que meus filhos assimilaram totalmente, hoje mantenho um pouco a tradição, participando, com minha família dos Seder de Pessach e dos jantares de Yom Kipur, na casa de minha prima Sandra Gorski, filha de Marta e Roberto Del Monte, que como disse acima, vieram da Itália com nossa família e que durante algum tempo moraram conosco. Completei meu curso colegial no Dante Alighieri onde apesar da linha claramente fascista de sua direção, não encontrei nenhum problema por ser judeu.
Certa vez, na aula de ginástica, recusei-me a fazer a saudação fascista, e por isto fui castigado, mas o diretor, Attilio Venturi, desculpou-se com meu pai, quando este foi reclamar pelo acontecido. Percebi, depois, que meus colegas eram de famílias italianas compreensivelmente entusiasmadas por um fascismo que só conheciam à distância e cujos efeitos tinham sentido como aumento de respeito e consideração na sua situação de imigrantes. É dessa época um grupo de bons amigos que tive a felicidade de manter até hoje. Segui meus estudos na Escola Politécnica, diplomei-me engenheiro e me dediquei à construção civil e à arquitetura, que exerci até minha aposentadoria.
Partimos de Genova em 2 de março de 1939, com o Augustus, deixando uma Itália que não nos queria mais. Morávamos em Pisa. Eu, como todos os meninos italianos da minha idade, tinha orgulho de minha farda de Balilla e de desfilar na posição central da primeira fila de três, durante as marchas, levando o “gagliardetto”, o que premiava os melhores alunos da classe. Depois de novembro de 38 não pude mais continuar a frequentar a Scuola Comunale Nicola Pisano, em Via San Frediano, onde a essa época tinha terminado o terceiro ano primário e onde tinha feito meus primeiros amigos. Fui transferido para uma escola da comunidade judaica que funcionava em Via Palestro, num anexo à sinagoga. Ali não conhecia nenhum de meus colegas e não conhecia o hebraico cujo alfabeto eles utilizavam para passar entre si os bilhetinhos, assim sentia-me excluído. Fomos obrigados a despedir as empregadas que ajudavam minha mãe nos afazeres domésticos, por não nos ser mais permitido ter italianos arianos a nosso serviço e, por causa disto, frequentemente tínhamos de almoçar num restaurante perto de casa.
Partimos por determinação de meu pai, pois minha mãe não queria deixar a Itália. A viagem foi agradável e transcorreu em sua maior parte com tempo bom. Eu tinha nove anos e meu irmão, quatro. Conosco vieram também Roberto e Marta Del Monte, primos de meu pai de quem eu muito gostava. Em nossa chegada ao Rio, pequenos aviões sobrevoaram o navio. Eu tinha paixão por aviões e fiquei encantado. Meu tio Uberto irmão de meu pai, que já morava aqui, subiu a bordo no Rio de Janeiro no dia 14 para acompanhar-nos até Santos, onde chegamos em 15 de março, e depois até nosso destino, na casa de meus avôs, em São Paulo.
No trecho entre o Rio e Santos fiquei deslumbrado com a quantidade de pequenas ilhas redondas, que depois reconheci nos quadros da Tarsila. De Santos para São Paulo, no “Caminho do Mar”, ainda em terra batida, fiquei deslumbrado com o voo de uma enorme borboleta azul. Foram duas impressões marcantes deste novo país.
Meu avô, Guido Faldini morava em Lucca, onde tinha uma loja de tecidos e era muito conhecido e bem considerado. Em 1934, devido a suas posições contrárias ao regime, teve problemas felizmente resolvidos sem consequências muito graves, mas deixou a Itália e veio ao Brasil. Aqui chegou com Uberto e Paolo dois de seus sete filhos. Comprou uma indústria de tecidos situada no Pari, para continuar em seu ramo. Paulo já viera casado e depois do primeiro filho, voltou para a Itália, onde passou a guerra e juntou-se aos partigiani. Veio então, para substituí-lo, em 1936, outro de seus irmãos, Nelson, que aqui se casou pouco depois de nossa chegada com Esther Lafer, cujo irmão A.Jacob Lafer, advogado, muito nos auxiliou na obtenção da Carteira 19, o documento de permanência definitiva. Meu pai, que em Pisa tivera uma loja de tecidos, abriu uma outra aqui e foi assim que fincamos raízes em nosso novo lar. Por uma feliz coincidência, viemos a ser vizinhos dos Temin, Massarani, Ventura, Bondì, e Russi com quem estabelecemos laços de uma amizade que dura até hoje. Frequentávamos todos a sinagoga sefaradita da rua Abolição e foi lá que fiz meu Bar Mitzvah, mas minha religiosidade era, como no caso de muitos italianos, aquela de quem vai à sinagoga quase que só nas Grandes Festas. Questionava-me sobre o significado de uma prática da forma exterior da religião, tal como a prática de ler as rezas por ter aprendido a ler em hebraico sem entender uma só palavra do que se estava lendo. Daí preferi abandonar essa conduta sem que isso diminuísse meu sentimento de pertencer ao nosso povo, sentimento que meus filhos assimilaram totalmente, hoje mantenho um pouco a tradição, participando, com minha família dos Seder de Pessach e dos jantares de Yom Kipur, na casa de minha prima Sandra Gorski, filha de Marta e Roberto Del Monte, que como disse acima, vieram da Itália com nossa família e que durante algum tempo moraram conosco. Completei meu curso colegial no Dante Alighieri onde apesar da linha claramente fascista de sua direção, não encontrei nenhum problema por ser judeu.
Certa vez, na aula de ginástica, recusei-me a fazer a saudação fascista, e por isto fui castigado, mas o diretor, Attilio Venturi, desculpou-se com meu pai, quando este foi reclamar pelo acontecido. Percebi, depois, que meus colegas eram de famílias italianas compreensivelmente entusiasmadas por um fascismo que só conheciam à distância e cujos efeitos tinham sentido como aumento de respeito e consideração na sua situação de imigrantes. É dessa época um grupo de bons amigos que tive a felicidade de manter até hoje. Segui meus estudos na Escola Politécnica, diplomei-me engenheiro e me dediquei à construção civil e à arquitetura, que exerci até minha aposentadoria.